terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

1. typical male



Agitam-se em volta dos bares como mariposas em volta dos candeeiros de Verão. Como seria interessante espetá-los em placas de cortiça, pensa Matilde. Classificados de acordo com as roupagens: os dread, os engravatados, os de camisa às riscas com três botões abertos e óculos Ray Ban pendurados ao peito, os rapazes das blusas pretas com decote em V e sem pelos – e as fêmeas: de um lado as Chanel bimbo style, do outro as de ventre ao léu, com ou sem piercing no umbigo. Matilde, evidentemente, não pertence a nenhuma destas categorias. Veste uma camisola branca de angorá sobre a pele, com mangas compridas que lhe cobrem as mãos, numa sugestão de recato que torna mais obscena a saia muito curta e as pernas nuas.
Pede ao balcão uma bebida sem álcool. Olha em volta e localiza rapidamente o alvo. Sentado num banco alto, um uísque na mão, cigarro. 30 anos. Cabelo castanho, curto, crespo, com entradas. Olhos castanhos. Ossos da cara desenhados, o queixo um bocadinho aguçado demais. Testa larga. Blusão de couro e pólo cinzenta. Matilde deixa que ele descubra que ela está ali. Ser presa é o seu desporto favorito e nunca se cansa dele. Vai dançar, volta, acende também ela um cigarro, troca algumas palavras com conhecidos que se aproximam. Os olhares cruzam-se. Matilde vê perfeitamente o cérebro dele pôr-se em marcha, colocar a hipótese de que aquela... talvez... Ela sorri-lhe. Ele pisca os olhos.
«Olá», diz ele.
Para se fazer ouvir no meio do ruído da discoteca ele tem de se debruçar sobre o balcão, encostar quase o rosto ao dela. Matilde reconhece o perfume: Eternity.
«Danças?» pergunta ele.
Ela provoca-o: sabe fazê-lo – o rabo que acidentalmente se encosta ao sexo dele, as mãos distraidamente apoiadas no peito dele, os olhos baixos mas cheios de sugestões de vício a que nenhum resiste.
«Vamos embora?» diz-lhe quando a música acaba.
Ele diz que sim muito depressa. Tem medo que ela mude de ideias. Vão no carro dele. Descem a rua do Alecrim e seguem pela 24 de Julho. Num semáforo, Matilde estende o braço, abre-lhe a braguilha e tira a picha para fora. Está meio mole mas cresce depressa. Uma carrinha de entregas pára ao lado deles. Matilde inclina-se e introduz-se entre o ventre dele e o volante.
«Estão a ver-nos», diz ele.
«Pois estão», diz ela. «Estão cheios de inveja.»
O sinal fica verde e ele arranca. Matilde endireita-se.
«Vamos para minha casa?» propõe.
«Não preferes a minha?» contrapõe ele. Sorri: «Tens medo?»
«Não. Mas excita-me ser fodida na minha própria casa. Ser usada duas vezes, na minha propriedade e no meu corpo. É como ser açoitada com um chicote que eu mesma tenha comprado.»
Vê a perplexidade nos olhos dele e ri-se por dentro. Gosta destes pequenos jogos de bilhar: tacada, tacada, carambola, buraco.
Matilde mora no Príncipe Real. Tem uma sala enorme, resultado da junção de 3 das divisões originais, e um quarto com uma janela rasgada até ao chão, que dá para o jardim. O resto da casa é constituído por um quarto mais pequeno, que ela usa como quarto de vestir, uma cozinha minúscula, ao lado da sala, e um corredor bastante largo que Matilde encheu de candeeiros italianos.
«Muito bonito», diz ele.
Matilde põe a tocar L’Anamour, de Serge Gainsbourg. Manda-o sentar-se. Traz armagnac e sumo de laranja. Ouvem-se as ondas. Deita uma dose generosa de armagnac para ele e serve-se a si mesma de sumo de laranja. Ele observa este arranjo.
«Não estou a tentar ficar sóbria para escapar aos teus braços de louva-a-deus maldoso», diz ela. «Simplesmente, não gosto de álcool.»
«É a fêmea louva-a-deus que é maldosa, não é o macho», diz ele.
Ela sorri e senta-se no chão à frente dele. Flecte as pernas, que rodeia com os braços, e apoia o queixo nos joelhos. Assim parece uma menina pequena, e sabe disso.
«Se eu ficasse bêbada e vomitasse, o que é que fazias?» pergunta.
«Fazia, como?»
«Fodias-me na mesma?»
Ele fica desconcertado. Demasiadas mudanças de ritmo.
«Não sei.»
«Não sabes? Eu acho que um homem deve ser sempre um homem.»
«E o que quer isso dizer?»
Está à defesa.
«Quer dizer que devias foder-me na mesma. Talvez dar-me um estalo por estar a estragar-te a noite. Sei lá! Obrigar-me a lavar a boca para te fazer um broche. Uma puta que traz um tipo para casa dela e depois se põe a vomitar não merece grande consideração.»
«Ora! Se fizesses isso, o mais certo era ir-me embora.»
«Sem obter nada? Meu Deus, que frouxo!»
Matilde está desapontada. Quer deixas de jeito, frases que a acendam. Tragam de volta os argumentistas do film noir. Bebe mais um gole do sumo de laranja e observa o fundo do copo com atenção, para dar ao homem tempo para recuperar. Se continua no mesmo ritmo a noite morre ali, e não é isso o que ela pretende. Observa-o disfarçadamente: hesita entre a perplexidade e uma vaga raiva. Pode adivinhar o pensamento que o percorre: mas o que quer esta puta?
Pousa o copo e estende-se no chão: a serpente aos pés de Adão. Ele parece recuperar o domínio de si mesmo agora que os papéis voltaram a ser habituais: ela é a fêmea que se expõe à sua frente, num convite tão velho como a raça, e ele é o caçador que espreita na sombra. Ela vê-o pousar o copo no chão, ao lado do sofá onde está sentado, e depois levantar-se e avançar para ela. Ela deixa-o aproximar-se, que se ajoelhe sobre ela e a dispa. Depois volta-se, dando-lhe as costas.
«Gostas por trás?» pergunta ele.
«Gosto que faças como te apetece», responde ela.
«Vieste-te?» pergunta ele no fim. Deve estar ansioso.
«Sim», diz ela.
É mentira. No último momento pensou em cães atropelados e no cheiro de batatas apodrecidas. Enquanto ele estremecia nos espasmos finais ela sentia as pequenas palpitações musculares esvaírem-se e desaparecerem no interior do seu ventre. Matilde não quer vir-se.
Abre uma janela, por onde entra o ruído dos carros e o ar frio da noite. Vai buscar um cinzeiro e dois cigarros.
«Há mais coisas debaixo do Céu além de meter e tirar», diz.
«Não gostaste?»
O instinto maternal, que dizem que existe em todas as mulheres, não a deixa responder como lhe apetecia. Não quer humilhar aquele grande burro aflito. Responde simplesmente:
«Claro que gostei.»

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