terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

2. pont neuf

Saímos do caveau. Matilde tinha estado a meter-se com o pianista, a fazer olhinhos de puta a ele e ao resto dos músicos, a roçar-se no saxofonista, e eu estava furioso. Parámos numa cervejaria aberta no cais do Sena e eu dei largas à minha fúria. Ela ria-se.
«Não fiz nada de mal. Estava alegre. E eles estavam alegres.»
«Eles estavam a apalpar-te e tu és uma puta que lhes deu troco.»
«Não sou nada.»
«Claro que és.»
«Pois sou.»
Concorda com o que eu digo e sorri.
«Je suis une putain», repete. Em voz alta. Sorri. Dois clientes sentados na mesa ao lado olham para nós, curiosos.
«Porra, és mesmo estúpida!»
«Gosto de ti.»
«Mas fazias um broche a qualquer um.»
«Não sei.»
A discussão continua, baixa porque não estou para vergonhas, violenta porque estou meio bêbado e quando estou bêbado fico violento. Ela ri-se. Eu chamo-lhe nomes. Ela gosta. Eu odeio-a. Ela ri-se. Eu desisto. Merda!
«Eu gosto de ti», repete ela.
«Está bem.»

Depois.
Matilde quer tirar fotografias a fazer strip tease na Pont Neuf. Faço-lhe a vontade.
Há um homem sentado num dos bancos da ponte, mais à frente. Está a fumar e olha na nossa direcção, e vê Matilde, que naquele momento está nua da cintura para cima, os braços levantados acima da cabeça, que atirou para trás, as mamas atiradas para a frente pela posição do corpo. O homem olha durante alguns segundos, depois volta a olhar em frente, para o rio. Volta a levar o cigarro à boca. Tenho a certeza que não acredita naquilo que viu. Ou teme que se trate de alguma serial killer. Ou, ainda pior, que seja mais uma partida dos Apanhados. Imaginem um tipo ser apanhado pela mulher e pelos amigos a correr atrás de umas mamas na Pont Neuf. O homem não corre riscos, não volta a olhar. A situação é irreal porque há uma mulher a despir-se a quinze metros dele e ele olha para o rio. Parece uma daquelas situações vitorianas em que aquilo que é moralmente reprovável ou insólito, é pura e simplesmente invisível. O homem deixou de ver Matilde. Ela não existe. Suponho que ela podia começar a foder ali, em plena ponte, e ninguém se aproximaria. As pessoas não acreditam naquilo que se afasta da realidade vulgar, e portanto não vêem. Matilde, nua em cima da ponte, é um OVNI.
Os dois vagabundos que estão a dormir debaixo da ponte e que ela vai desinquietar a seguir não reagem da mesma maneira. Eu sei que ela queria provocar espanto, lascívia, talvez levá-los a baterem uma punheta à frente dela. Despe-se completamente à frente deles e esboça uma dança erótica, aproxima-se tanto dos cobertores em que eles se embrulham que sente o cheiro rançoso de meses de sujidade e suor acumulados. Mas a reacção deles é o perfeito anti-clímax: «Police!» dizem, e encolhem-se mais contra o pilar da ponte. «Police!» Matilde, ao princípio, pensa que estão a pedir a ajuda da polícia, e começa a rir. Mas depois entende: eles pensam que ela é da polícia e que está a estender-lhes uma armadilha. Eles avisam-se um ao outro e recuam porque querem estar sossegados no seu covil, embrulhados no seu ranço, felizes como sempre foram.
Matilde, derrotada, veste-se novamente e regressa à rua.

Quando chegámos diante da loja de revelação rápida, eu parei:
«Quem vai lá, minha querida? Eu ou tu?»
«Que estupidez!» exclamou ela. «Qual é o problema? Vou eu.»
E atravessou a rua.
Quando voltou trazia o envelope com as fotografias apertado contra o peito e respirava mais depressa.
«Então?» perguntei.
«Meu Deus!»
Não falámos mais até chegarmos às proximidades do Louvre, altura em que Matilde se deixou cair numa cadeira de esplanada e soltou um sonoro: «Fuck!»
«Foi muito mau?»
«Meu Deus, o tipo que me atendeu reconheceu-me das fotografias, tenho a certeza, e chamou outros dois, de repente havia uma data de gente atrás do balcão, só para olharem para mim. E as fotografias sem aparecerem e eu ali parada, olhada, violada literalmente por aqueles impotentes!»
«Sim, suponho que as fotografias devem ter sido muito comentadas pelo pessoal da loja.»
«Comentadas? Devem ter batido punhetas com elas! Só não sei como não começaram a batê-las ali à minha frente!»
«Suponho que o gerente não permitiria uma coisa dessas.»

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