terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

6. filmes

Diz Matilde:
«Recordo-me de um filme pornográfico onde, a certa altura, havia uma cena brilhante. Um homem, um vagabundo, passa diante de uma roulotte, num parque citadino, quando uma das janelas se ilumina. Enquadrados pela janela, um homem nu, de quem se vê pouco mais do que as coxas peludas e o sexo, e uma mulher, também nua e ajoelhada diante dele. A mulher esfrega as mamas de encontro ao vidro, exibindo-se para o vagabundo, que pára para ver, sem querer acreditar naquilo que vê. A mulher excita-o deliberadamente. Dá-se. Por fim pega no sexo do homem ao seu lado e executa um broche ardente, enquanto continua a olhar de soslaio para o vagabundo. O homem vem-se para o vidro e ela lambe todo o esperma - sempre sem tirar os olhos do vagabundo. A cena é magistral, parece impossível encontrar-se uma jóia assim num filme X-rated. É magistral porque é verdadeiramente teasing. Excita. Ora eu acho que aquilo que torna a cena excitante é o antagonismo, diria moral, entre a exposição despudorada e entusiasta do corpo da mulher ao olhar do vagabundo e a sua absoluta dedicação ao prazer do outro homem, a quem o facto de não lhe vermos nunca o rosto torna inatingível e, portanto, omnipotente. É o facto de ele a exibir, tornando ao mesmo tempo claro que ela lhe pertence, como poderia exibir um Ferrari diante dos miseráveis habitantes de um bairro da lata - é a obscenidade dessa ostentação que é excitante. Deve haver qualquer coisa animal nesta necessidade masculina de posse. Em Paris, em 1944, depois da Libertação, raparam o cabelo às mulheres que tinham sido amantes dos alemães. Aos colaboracionistas, fuzilaram-nos. O crime dessas mulheres não foi a traição, mas o abandono: ao deixarem-se possuir pelos alemães era a França que deixavam que eles possuíssem. Um crime muito pior do que o colaboracionismo, que só degradava quem o praticara e podia portanto ser apagado pela eliminação física dos colaboracionistas. O abandono do corpo aos alemães, pelo contrário, encornava a Pátria, encornava todos e cada um dos homens franceses. Lavar a honra de uma e outros exigia um ritual de expiação. Por exemplo a cabeça rapada e a vergonha resultante dessa exposição pública. Podiam também ter marcado essas mulheres com uma flor de lis, como faziam às putas no tempo do Cardeal Richelieu, ou enforcá-las na praça pública, ou lapidá-las, como ainda se faz em certos países muçulmanos, mas o Ocidente já perdeu essa força bárbara. O sentimento, contudo, mantém-se, bem como a necessidade absoluta de o aplacar.»

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